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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O REINO DE DEUS E A ESPERANÇA


SOBRE O REINO DE DEUS E A ESPERANÇA
(Textos para palestra dada a seminaristas, 13/12/2007)

Pe. Francisco Faus

I – Introdução



1.1 A palavra “Reino”, desde há decênios, é muitas vezes repetida no âmbito eclesiástico: é mencionada constantemente em aulas, palestras, artigos teológicos, livros, subsídios pastorais, reuniões sacerdotais, documentos de organismos eclesiásticos, etc. Fala-se sobre o “Reino” de muitas maneiras: p.e, “construir o Reino”, “servir o Reino”, “lutar para instaurar o Reino na terra”..., etc., etc.

Por isso é importante perguntar-nos: – Afinal, o que significa “Reino”? A experiência evidencia que essa palavra, nos ambientes citados, não é pronunciada com um sentido unívoco. Será que admite sentidos tão diversos e contraditórios? É importante procurar uma resposta equilibrada, uma vez que o “Reino”é um tema fundamental na pregação de Jesus. Da interpretação correta ou equivocada do seu significado decorrem conseqüências, que podem ser muito positivas ou muito negativas.

Nesta palestra, vamos fazer algumas reflexões sobre o significado da expressão Reino de Deus no Evangelho, e procuraremos mostrar como o sentido da esperança cristã está intimamente relacionado com o sentido do Reino.

1.2 Antes de entrar no tema desta palestra, parece-me necessário dar dois esclarecimentos prévios:

a) quase toda ela está baseada em ensinamentos de Bento XVI, de João Paulo II e da Congregação para a Doutrina da Fé, de tal maneira que a maior parte do texto consiste em citações mais ou menos extensamente glosadas;

b) a palestra não pretende ser um estudo bíblico-teológico sobre os temas do Reino de Deus e da esperança. Para isso, seria precisa uma exposição histórica e teológica (história da teologia contemporânea), com um aparato crítico e uma extensão que excedem de longe o nosso propósito.




II – Que é o “Reino de Deus”?


2.1 Uma exposição breve e muito clara sobre este tema encontra-se no livro de Bento XVI Jesus de Nazaré, nos capítulos 3 (“O Evangelho do Reino de Deus”) e 5 (“A oração do Senhor”, quando comenta à invocação “venha a nós o vosso Reino”) [N.B. Vou-me basear, para citar esse livro, na tradução castelhana editada em Buenos Aires por Ed. Planeta, 2007, pois parece-me mais clara que a tradução brasileira].

2.2 Nesse livro, o Papa refere-se sucintamente a uma evolução da teologia, tanto no campo protestante como no católico, que levou de uma concepção sobrenatural do Reino (iniciado na terra pela Encarnação e o Sacrifício Redentor de Cristo, Reino que está presente e vivo na Igreja, e que será plenamente realizado na vida eterna), até uma visão “secular” do Reino, concebido exclusivamente como a realização de uma ordem política, social e cultural mais justa neste mundo.

2.3 Para isso, o Papa começa por fazer uma breve síntese do caminho teológico que levou a essa idéia intra-mundana e política do reino, em que, de fato, Deus acaba sendo dispensado. Sem dúvida, teve uma influência decisiva nessa posição doutrinal – como o Papa menciona no livro – a corrente teológica, predominantemente germânica, que, passando por Bultmann e os “teólogos da esperança” Ernst Bloch e Jürgen Moltmann, chega até à teologia da revolução (cf. Comblin) e à teologia da libertação latino-americana. Ultimamente, o fluxo dessas correntes enlaça, quase se poderia dizer que desemboca, em vários casos, no universalismo colorido do New Age, com a sua pretensão de uma “religião universal” sem Deus pessoal – só um Deus “energia cósmica” ou “espírito do mundo”, força automática e cega –, sem dogmas, sem Igreja, sem Autoridade respaldada por Deus, sem verdades permanentes, sem Mandamentos nem outros princípios morais imutáveis a não ser os da liberdade sem entraves “moralistas”, os da paz e da ecologia, e os do relativismo agnóstico como fundamento da democracia (ver as palestras Globalização, religiões e Igreja, e Sobre a ideologia New Age, no site http://padrefaus.googlepages.com).

2.4 “Estendeu-se – diz o Papa – em amplos círculos da teologia, particularmente no âmbito católico, uma reinterpretação secularista do conceito de «reino » que dá lugar a uma nova visão do cristianismo, das religiões e da história em geral, pretendendo, com essa profunda transformação, que a suposta mensagem de Jesus seja de novo aceitável. Diz-se que, antes do Concílio, predominava o eclesio-centrismo: a Igreja era proposta como centro do cristianismo. Passou-se depois para o cristo-centrismo, apresentando Cristo como centro de tudo. Mas isso, diz-se, separa: não é só a Igreja que separa [[dos não católicos]], também Cristo pertence só aos cristãos [[e, por isso, separaria dos não cristãos]]. De modo que se passou do cristo-centrismo para o teo-centrismo [[só Deus seria o centro]] e, deste modo, se avançava mais um pouco na comunhão com as outras religiões. Mas, mesmo assim, ainda não se havia alcançado a meta, uma vez que Deus também pode ser fator de divisão entre as religiões e entre os homens [[por exemplo, os não crentes]]”.

“Por isso – continua a dizer o Papa – é necessário dar mais um passo até o reino-centrismo, até a centralidade do reino. Este seria, no fim das contas, o coração da mensagem de Jesus, e essa seria a via correta para unir finalmente as forças positivas da humanidade no seu caminho para o futuro do mundo; «reino» significaria simplesmente um mundo em que reinem a paz, a justiça e a preservação da criação. Não se trataria de outra coisa. Esse «reino » deveria ser considerado como o destino final da história. E a autêntica tarefa das religiões seria então a de colaborarem todas juntas para o advento do «reino » ... Por outro lado, todas elas poderiam conservar as suas tradições, viver a sua identidade, mas, mesmo conservando as suas diversas identidades [[como coisa puramente subjetiva, folclórica, sentimental, privada]], deveriam trabalhar por um mundo em que o verdadeiramente importante fosse a paz, a justiça e o respeito pela criação”. Até aqui são palavras do Papa.

Um exemplo dessa posição é a carta escrita há anos a Fidel Castro por uma destacada personalidade católica brasileira, cumprimentando-o (com grave desgosto dos bispos cubanos), porque – segundo essa pessoa – a Cuba comunista seria o primeiro país da América Latina a mostrar os “sinais do Reino” [sic]. Na prática, foi o primeiro país da América Latina a instaurar uma ditadura marxista-leninista.

2.5 “Ora – pergunta também o Papa –, quem é que nos diz o que é propriamente a justiça? O que é que serve realmente à justiça? Como é que se constrói a paz? Na verdade, analisando com detenção essas raciocínios em seu conjunto, eles manifestam-se apenas como uma série de palavreados utópicos, carentes de conteúdo real, a menos que o conteúdo desses conceitos seja, na realidade, uma cobertura para doutrinas de partido que todos deveriam aceitar [[de ideologias como o marxismo, o relativismo-liberal, a mentalidade New Age, etc.]]. Porém, o mais importante – frisa Bento XVI – é que, acima de tudo isso, há um ponto que sobressai: Deus desapareceu, quem atua agora é apenas o homem... A fé, as religiões, são utilizadas para fins políticos. O que conta é apenas a organização do mundo. A religião interessa só na medida em que pode ajudar a isso. A semelhança entre essa visão pós-cristã da fé e da religião com a terceira tentação é inquietante” [[refere-se o Papa à terceira tentação de Cristo no deserto, subentendendo que nessas teorias há um toque diabólico: O demônio... mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua riqueza e lhe disse: “Eu te darei tudo isso, se caíres de joelhos para me adorar, Mt 4,8-9]]”.

A religião seria, portanto – comentamos nós – , apenas um “pretexto” para facilitar a implantação de uma ideologia (marxista, laicista, “liberal-iluminista”) e a Igreja não passaria de um conjunto de fiéis movidos a sentimentos e desprovidos de doutrina (de “verdades”certas e imutáveis sobre a fé e a moral) e, portanto, facilmente vulneráveis e manipuláveis para os fins político-sociais e a ética laicista e relativista dessas ideologias (que incluem hoje entre seus valores intocáveis – não o esqueçamos – a “abertura” para legislações frontalmente contrárias à lei de Deus: aborto, casamento homossexual, experiências com embriões e fetos humanos, etc.).

2.6 No mesmo livro Jesus de Nazaré, Bento XVI mostra, com argumentos bíblicos que parecem indiscutíveis, que, antes de mais nada, “Jesus é o Reino de Deus em pessoa; onde Ele está, aí está o Reino de Deus ”. E frisa, ao mesmo tempo, que a expressão «reino » significa especificamente a “soberania de Deus” no coração dos homens e, por isso, é só através do coração humano dócil a Deus, do coração que “assume a sua Vontade como critério”, que o «reino » pode chegar a cada pessoa e – , através das pessoas transformadas pela sua docilidade à soberania de Deus – pode chegar ao mundo, às estruturas da sociedade, à cultura, etc., aonde de fato deve chegar o fermento transformador do Cristianismo.

Por isso, comentando a invocação venha a nós o vosso Reino do Pai-nosso, o Papa afirma: “O primeiro e essencial é um coração dócil, para que seja Deus quem reine e não nós. O Reino de Deus chega através do coração que escuta [[que escuta Deus, que escuta Cristo, Palavra de Deus definitiva dirigida a todos os homens, que escuta a Igreja, porta-voz de Deus, abalizado pelo Espírito Santo: quem a vós ouve, a mim me ouve: Lc 10,16]]. Este é o seu caminho. E por isso nós devemos rezar sempre”.

E o Papa completa essa reflexão citando e comentando umas belas palavras de Reinhold Schneider: “A vida neste reino é a continuação da vida de Cristo nos seus; o reino acaba-se [[fica destruído]] no coração que deixa de ser alimentado pela força vital de Cristo; porém no coração tocado e transformado por essa força, ele começa... As raízes daquela árvore que não se pode arrancar procuram penetrar em cada coração. O reino é uno; subsiste só em virtude do Senhor, que é a sua vida, a sua força, o seu centro...”. “Rezar pelo Reino de Deus – acrescenta Bento XVI – significa dizer a Jesus: Deixa-nos ser teus, Senhor! Impregna-nos, vive em nós; reúne no teu corpo a humanidade dispersa para que em ti tudo fique submetido a Deus y Tu possas entregar o universo ao Pai, para que Deus seja tudo para todos (1 Co 15,28)”.

2.7 Afinal, como fica bem claro em todo o Novo Testamento, o Reino de Deus, que está dentro de vós [ou: no meio de vós] (Lc 17,210), tem, como essência, a Vida de Deus (o dom divino que nos torna participantes da natureza divina pela graça do Espírito Santo: cf. II Pedr 1, 4), Vida que nos é obtida pela Redenção de Cristo, graça do Espírito Santo que nos é dada, através da Igreja, já nesta terra, estando destinada a desabrochar em Vida plena e eterna de união com a Trindade e entre nós, em Cristo, no Céu.

2.8 Com grande clareza, São João escreve: Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos! [...]. Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele [a Deus] porque o veremos tal como Ele é. Todo aquele que espera nele purifica-se a si mesmo... (I Jo 3,1-3).

E São Paulo: Dai graças ao Pai, que vos tornou dignos de participar da herança dos santos na luz. Foi Ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino de seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados (Col 1, 12-14).

E ainda São Pedro: Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo para uma esperança viva, para uma herança que não se desfaz, não se estraga nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. (I Pedr 1,3-4). Esse autêntico conceito de esperança cristã, de que está empapado todo o Novo Testamento, é incompatível com a utopia horizontal do reino-centrismo. Com grande profundidade, isso é exposto pelo Papa Bento XVI na Encíclica Spe salvi, de 30/11/2007.

2.9 É evidente, por isso, que o enfoque genuíno da figura e da mensagem de Cristo, tal como o Evangelho o anuncia e a Igreja o pregou desde a sua fundação, não se coaduna com as teologias do reino-centrismo, imanentes e horizontalistas. Sem duvidar da boa fé e do idealismo de muitos desses teólogos, é inegável que esse enfoque teológico reduz o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o próprio Jesus, o Evangelho e a Igreja e tênues sombras mutáveis e evanescentes, sem contornos definidos nem importância decisiva.



III – Esclarecimentos do Magistério sobre o “reino-centrismo”




3.1 É natural que essa visão redutiva do Reino de Deus, e, portanto, de todo o Cristianismo, acarrete conseqüências negativas de bastante transcendência. Sem pretender esgotar a matéria, vamos lembrar algumas dessas conseqüências sobre as quais o Magistério se tem visto no dever de intervir em defesa da fé e do direito dos fiéis católicos à Verdade. Os principais documentos do Magistério a respeito são: a Encíclica Redemptoris missio (7/12/1990) de João Paulo II; a Declaração Dominus Iesus (6/8/2000) da Congregação para a Doutrina da Fé, reforçada por novo documento da mesma Congregação, de 29/6/2007, intitulado Respostas a questões relativas a alguns aspectos sobre a doutrina da Igreja; e, recentemente, a Encíclica Spe salvi (30/11/2007) de Bento XVI).

Como sabem, todos esses documentos podem ser achados facilmente no site www.vatican.va , procurando-os pelo seu título no “busca” da página inicial desse site, ou nas suas páginas específicas.

3.2 Sobre Jesus Cristo. A visão reino-centrista, não raramente vai acompanhada pela negação de que Jesus de Nazaré seja o único Salvador do mundo. Alguns separam o “Verbo” da pessoa de Jesus de Nazaré, afirmando que o “Verbo” se teria encarnado, não só em Jesus, mas de diversas formas, equivalentes e complementares, em personalidades das diversas religiões. Esta é também a tese New-Age, que vê Jesus como mais um dos múltiplos avatares, homens de especial sensibilidade religiosa em que a “energia divina” (panteísta ou meramente cósmica) se teria manifestado de modo mais consciente.

Em face dessas concepções errôneas, a Igreja tem reafirmado com nitidez a fé católica. Vejamos alguns textos do Magistério:

a) Redemptoris missio, n. 11: “Respeitando todas as crenças e todas as sensibilidades, devemos afirmar, antes de mais nada, com simplicidade, a nossa fé em Cristo, único salvador do homem – fé que recebemos com um dom do Alto, sem mérito nenhum da nossa parte. Dizemos com São Paulo: «eu não me envergonho do Evangelho, o qual é poder de Deus para a salvação de todo o crente » (Rm 1,1). Os mártires cristãos de todos os tempos – também do nosso – deram e continuam a dar a vida para testemunhar aos homens esta fé, convencidos de que cada homem necessita de Jesus Cristo, o qual, destruindo o pecado e a morte, reconciliou os homens com Deus [...] A Igreja não pode deixar de proclamar que Jesus veio revelar a face de Deus, e merecer, pela cruz e a ressurreição, a salvação de todos os homens”.

b) Declaração Dominus Iesus, n. 9: “Deve, de facto, crer-se firmemente na doutrina de fé que proclama que Jesus de Nazaré, filho de Maria, e só ele, é o Filho e o Verbo do Pai. O Verbo, que « estava no princípio junto de Deus » (Jo 1,2), é o mesmo « que Se fez carne » (Jo 1,14). Em Jesus « o Cristo, o Filho do Deus vivo » (Mt 16,16) « habita corporalmente toda a plenitude da divindade » (Col 2,9). Ele é « o Filho unigénito, que está no seio do Pai » (Jo 1,18), o seu « Filho muito amado, no qual temos a redenção [...]. Aprouve a Deus que n'Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus » (Col 1,13-14.19-20).”

E, nos nn. 14 e 15, acrescenta: “Deve, portanto, crer-se firmemente como verdade de fé católica que a vontade salvífica universal de Deus Uno e Trino é oferecida e realizada de uma vez para sempre no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus”. [...]

“Neste sentido – continua a Declaração – , pode e deve dizer-se que Jesus Cristo tem para o gênero humano e para a sua história um significado e um valor singulares e únicos, só a Ele próprios, exclusivos, universais, absolutos. Jesus é, de fato, o Verbo de Deus feito homem para a salvação de todos [...] O Senhor é o fim da história humana, ponto para o qual convergem as aspirações da história e da civilização, centro da humanidade, alegria de todos os corações e plenitude dde todos os seus desejos. É Ele que o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua direita, constituindo-O juiz dos vivos e dos mortos » (cf. Gaudium et spes, n. 45). Precisamente esta singularidade única de Cristo é que Lhe confere um significado absoluto e universal, pelo qual, enquanto está na História, é o centro e o fim desta mesma História: “Eu sou o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22,13) » (cf. Redemptoris missio, n. 6).




3.3 Sobre a Igreja. Depois do que dissemos sobre Jesus, é lógico que a visão reino-centrista rejeite também a necessidade da Igreja fundada por Cristo para a salvação, e até negue a sua origem divina e a sua missão universal. Vamos ver também alguns esclarecimentos do Magistério:

a) A Redemptoris missio: depois de falar da Igreja “sinal e instrumento de salvação”, (n. 9), fazendo eco à Lumen gentium , afirma no n.18: “Se separarmos o Reino de Jesus, ficaremos sem o Reino de Deus por ele pregado, acabando por se distorcer o sentido do Reino, que corre o risco de se transformar numa meta puramente humana ou ideológica [...]. De igual modo, não podemos separar o Reino, da Igreja [...]. Mesmo sendo distinta de Cristo e do Reino, a Igreja todavia está unida indissoluvelmente a ambos. Cristo dotou a Igreja, Seu Corpo, da plenitude de bens e de meios da salvação; o Espírito Santo reside nela, dá-lhe a vida com os Seus dons e carismas, a santifica, guia e renova-a continuamente. Nasce daí uma relação única e singular que, mesmo sem excluir a obra de Cristo e do Espírito fora dos confins visíveis da Igreja, confere a esta um papel específico e necessário. Disto provém a ligação especial da Igreja com o Reino de Deus e de Cristo, que ela tem « a missão de anunciar e estabelecer em todos os povos ».




b) Declaração Dominus Iesus, n. 16: “O Senhor Jesus, único Salvador, não formou uma simples comunidade de discípulos, mas constituiu a Igreja como mistério salvífico: Ele mesmo está na Igreja e a Igreja n'Ele (cf. Jo 15,1ss.; Gal 3,28; Ef 4,15-16; Actos 9,5); por isso, a plenitude do mistério salvífico de Cristo pertence também à Igreja, unida de modo inseparável ao seu Senhor. Jesus Cristo, com efeito, continua a estar presente e a operar a salvação na Igreja e através da Igreja (cf. Col 1,24-27), que é o seu Corpo (cf. 1 Cor 12,12-13.27; Col 1,18) (...) Assim, e em relação com a unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus Cristo, deve crer-se firmemente como verdade de fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada [...].

“Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica — radicada na sucessão apostólica— entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: « Esta é a única Igreja de Cristo [...], que o nosso Salvador, depois da sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17), encarregando-o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem (cf. Mt 28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da verdade (cf. 1 Tim 3,15). Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele“.




c) Respostas sobre a Igreja, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 29/6/2007: Reportando-se à doutrina exposta na Declaração Dominus Iesus e aos documentos do Concílio Vaticano II, estas “respostas” reafirmam que: “Cristo constituiu sobre a terra uma única Igreja e instituiu-a como “grupo visível e comunidade espiritual”, que desde a sua origem e no curso da história sempre existe e existirá, e na qual – e só nela –permaneceram e permanecerão todos os elementos por Ele instituídos. Esta (diz a Lumen Gentium, 8, 2) é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo professamos como sendo una, santa, católica e apostólica [...]. Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”.

“Na Constituição dogmática Lumen gentium –continua a esclarecer –, subsistência é esta perene continuidade histórica e a permanência de todos os elementos instituídos por Cristo na Igreja Católica, na qual concretamente se encontra a Igreja de Cristo sobre esta terra”.




3.4 Sobre a Evangelização e as Missões: Conseqüência lógica das premissas do “reino-centrismo”, que considera que o “Verbo” se teria manifestado em todas as culturas e todas as religiões, é que não teria sentido querer “converter” povos ou indivíduos não-cristãos ao Cristianismo, pois tudo – crenças, religiões, práticas – seria praticamente equivalente e complementar; a única coisa que importaria seria instaurar o reino universal da paz, etc. A “evangelização” e o trabalho “missional” consistiriam apenas na luta para defender as diversas culturas da influência “imperialista” e anuladora da “Igreja dogmática e moralista”; a evangelização se voltaria, por isso, apenas para a luta sócio-política em defesa dos direitos dos povos e culturas “oprimidos” (real ou imaginariamente), mesmo ao preço de colaborar em conflitos armados ou de compactuar com a guerrilha revolucionária (marxista) e o narcotráfico que a sustenta.

É extremamente lamentável essa postura, que infeccionou inclusive institutos missionários e organismos eclesiásticos responsáveis pelas missões. Chega a causar imensa tristeza ver que alguns, não poucos, parecem pensar que todo o trabalho santo e heróico dos missionários ao longo dos séculos – muitos deles mártires, de santidade exímia , fidelíssimos ao mandato de Cristo: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura (Mc 16,15) –, ou foi um engano, ou foi uma “agressão” injusta contra povos e culturas.

Aos que acham que a missão consiste, não em evangelizar e converter, mas principalmente em “inculturar” os próprios missionários nas culturas indígenas, pagãs, etc., e chegam a afirmar que “os missionários é que devem ser evangelizados pelos indígenas”; aos que têm esse lamentável critério, dá vontade de dizer-lhes o que, com sarcasmo de piada de humor negro, dizia um velho missionário: “A mais perfeita “inculturação passiva” desse tipo foi a do coitado do bispo Sardinha, devorado pelos índios antropófagos nas praias do Nordeste, ou seja, plenamente “assimilado” pela digestão dos índios, num ritual indiscutivelmente “cultural”, pois a antropofagia fazia parte essencial da cultura indígena. Então – acrescentava –, por que os “missionólogos” partidários dessa inculturação sem transmissão da fé cristã não oferecem generosamente as suas vidas aos indígenas para uma autêntica “inculturação gastro-intestinal” em que eles sejam o prato forte? Naturalmente, o Magistério também se tem pronunciado sobre esses erros:




a) Toda a Encíclica de João Paulo II Redemptoris missio é uma resposta cabal a essas graves distorções e uma defesa vibrante e cheia de fé da perene validade das missões tal como sempre a Igreja as entendeu: entrega heróica à conversão dos povos, à difusão da verdadeira fé, à abertura, para todos os povos, das fontes da salvação confiadas por Cristo à sua Igreja, respeitando e assimilando corretamente o que, nessas culturas, está em harmonia com a lei divina natural e a doutrina de Cristo, e purificando-as de muitos elementos contrários à lei de Deus e à dignidade humana, em que se refletem os efeitos deletéreos do pecado original e dos pecados pessoais.




b) Bem claro foi também Bento XVI, no seu Discurso na sessão inaugural da V Conferência geral do Episcopado da América Latina e Caribe: “As autênticas culturas não estão fechadas em si mesmas nem petrificadas em determinado ponto da história, mas estão abertas [sem isso, acrescento eu agora, não teria existido jamais “cultura” nem na Europa – que continuaria com as flechas e os javalis do “Asterix” –, nem na Ásia, onde houve influência da cultura milenar chinesa e da cultura da Índia em muitos países; nem em parte nenhuma; esse esttranho empenho em manter as culturas indígenas sem evolução, cristalizadas, petrificadas, é tratar os homens peças de museu ou bichos de reserva ecológica], sendo realmente o Logos encarnado o amor até o extremo, não é alheio a cultura alguma nem a nenhuma pessoa [...] A utopia de dar vida às religiões pré-colombinas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas um retrocesso. Na realidade, seria uma involução para um momento histórico ancorado no passado” (ver “Documento de Aparecida”, editado pela CNBB, pp. 267 a 284).





IV. Escólio sobre a esperança: A doutrina e a mentalidade “reino-cêntrica”, tal como a reprova o Magistério da Igreja, reduz a esperança, como repisamos já nesta palestra, a uma expectativa intra-terrena, à expectativa de que algum dia, não se sabe quando nem como, surgirá a sociedade ideal, cheia de paz, justiça, liberdade e harmonia entre todos os povos, religiões e culturas. Só que utopias desse tipo (p.e., a Internacional Comunista) já cavaram – na prática de quase um século – a mais profunda fossa de desencanto, degeneração moral e depressão econômica em nações inteiras;




4.1 Tal doutrina esquece a realidade elementar de que o pecado existe, e de que não há ideologia ou sistema político-social no mundo capaz de debelar por si, sem a Redenção e a graça, os sete pecados capitais. É patente, hoje, que os países ex-comunistas encontram-se num estado de deterioração dos valores e da prática das virtudes morais e cívicas lamentável, fato que desclassifica por si só amargamente a crença marxista de que a mudança de estruturas, com a supressão da propriedade privada, etc., criaria o “homem novo”. Todos os colegas e conhecidos que estão dedicando a vida a um trabalho de evangelização em países ex-comunistas (República Tcheca, Lituânia, Hungria, Eslováquia, Rússia, etc.) são unânimes em verificar que o tal ”homem novo” criado pelo comunismo se caracteriza, infelizmente, por uma alta densidade de egoísmo, de desconfiança, de preguiça e falta de iniciativa, de deslealdade e de corrupção... Isto não é um exagero tendencioso da “direita” nem um preconceito imaginário. Os “reino-cêntricos” que dizem o contrário, ou vivem no mundo da lua ou mentem. Com isso, evidentemente, não pretendemos afirmar que a ideologia laicista e relativista que domina cada vez mais a civilização ocidental, esteja criando modelos positivos de “homem do futuro”: muito pelo contrário, está dando origem a gerações com deficiências de valores tão graves como as geradas pelo comunismo (pois o liberalismo laicista é tão materialista e ateu quanto o marxismo, e, de dia para dia, vai-se tornando cada vez mais agressivo intolerante com a religião, com uma “ditadura do relativismo” que nada deixa a dever às ditaduras marxistas-leninistas).




4.2 Pensando nessas verificações experimentais, tangíveis, compreende-se a importância da recente Encíclica de Bento XVI, Spe salvi (30/11/2007), sobre a esperança. Não é o momento de expor aqui seu riquíssimo conteúdo, pois isso exigiria não uma, mas várias aulas ou palestras. Penso, porém, que pode nos ajudar ter presentes alguns trechos desse documento:




a) ...”a época moderna desenvolveu a esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da ciência e a uma política cientificamente fundada, parecia tornar-se realizável. Assim, a esperança bíblica do reino de Deus foi substituída pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro « reino de Deus ». Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o homem necessita. Estava em condições de mobilizar – por certo tempo – todas as energias do homem; o grande objetivo parecia merecedor de todo o esforço. Mas, com o passar do tempo fica claro que esta esperança escapa sempre para mais longe [...]. E tornou-se evidente que esta era uma esperança contra a liberdade, porque a situação das realidades humanas depende em cada geração novamente da livre decisão dos homens que dela fazem parte. Se esta liberdade, por causa das condições e das estruturas [estados-policiais totalitários ou “ditaduras do relativismo” laicista], lhes fosse tolhida, o mundo, em última análise, não seria bom, porque um mundo sem liberdade não é de forma alguma um mundo bom. Deste modo, apesar de ser necessário um contínuo esforço pelo melhoramento do mundo, o mundo melhor de amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança. E, sempre a este respeito, pergunta-se: Quando é « melhor » o mundo? O que é que o torna bom? Com qual critério se pode avaliar o seu ser bom? E por quais caminhos se pode alcançar esta « bondade »? (n. 30);




b) Só “Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vida que é « verdadeiramente » vida” (n. 31);




c) “Neste sentido, é verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2,12). A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora « até ao fim », « até à plena consumação» (cf. Jo 13,1 e 19,30). Quem é atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a « vida » [...] Jesus, que disse de Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude, em abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa « vida »: « A vida eterna consiste nisto: Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste » (Jo 17,3). A vida, no verdadeiro sentido, não a possui o homem em si própria sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então, « vivemos »” (n. 27);




d) “Surge agora, porém, a questão: não será que, desta maneira, caímos de novo no individualismo da salvação? Na esperança só para mim, que, aliás, não é uma esperança verdadeira, porque esquece e descuida os outros? Não. A relação com Deus estabelece-se através da comunhão com Jesus – sozinhos e apenas com as nossas possibilidades não o conseguimos. Mas, a relação com Jesus é uma relação com Aquele que Se entregou a Si próprio em resgate por todos nós (cf. 1 Tim 2,6). O fato de estarmos em comunhão com Jesus Cristo implica-nos no seu « ser para todos », fazendo disso o nosso modo de ser. Ele compromete-nos a «ser para os outros », mas só na comunhão com Ele é que se torna possível sermos verdadeiramente para os outros, para a comunidade[...]. Do amor para com Deus consegue-se a participação na justiça e na bondade de Deus para com os outros [...]. o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro” (n. 28).


4. 3 É, portanto – comentamos nós agora –, só a partir do amor a Deus, da união com Cristo, da “santidade” que será possível que o verdadeiro Reino de justiça e paz de Cristo vá impregnando as pessoas e, por meio delas – cada qual no seu lugar, e unindo esforços –, as estruturas da sociedade, da política, da cultura, das relações internacionais, etc., pois é certo que o “Reino”, ainda que essencialmente seja “vida em Deus”, deve ser fermento cristão de uma sociedade mais fraterna, mais justa, mais respeitadora da Criação, começando pelo respeito à vida humana desde a sua concepção até o seu termo natural.

Essa é a perspectiva que permite a seminaristas e padres enquadrar a sua grande responsabilidade de serviço ao Reino. Responsabilidade de começar pelas raízes, raízes de fé (de doutrina, não de ideologias), de autêntica cultura cristã-católica, de vida de oração ( a “arte da oração” que, segundo João Paulo II deve caracterizar a Igreja do terceiro milênio), de consciência da “chamada universal à santidade”, de virtudes autênticas, de adoração e culto amoroso da Santíssima Eucaristia, cerne e ápice da vida cristã, de responsabilidade apostólica, de responsabilidade para defender e difundir – sem passividade – a doutrina social da Igreja, etc.




4.4 Enfim, como apostila final, recomendo vivamente reler e meditar a Carta Apostólica Novo millennio ineunte (6/1/2001), de João Paulo II e a sua Exortação Apostólica Christifideles laici (15/12/1988), sobre a missão dos leigos na Igreja e no mundo. A respeito desses temas e outros relacionados, há vários esquemas de palestras no site http://padrefaus.googlepages.com. Voltando aos documentos da Igreja, é importante também conhecer e estudar o Compêndio de doutrina social da Igreja (Ed. Paulinas 2006) e o já citado Documento de Aparecida (29/6/2007), edição da CNBB.




(N.B. Nas anotações desta palestra, coloquei sublinhados em um bom número de textos do Magistério – sublinhados que não se encontram no texto original –, para pôr mais em destaque algumas idéias fundamentais.)

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