A
vida do cristão deve se desenrolar no ritmo do perdão. Cristo não
apenas ensinou a rezar ao Pai: “Perdoai nossas ofensas, assim como nós
perdoamos a quem nos tem ofendido”, como também respondeu a Pedro que o
indagou sobre quantas vezes se deve anistiar o irmão, tendo o Apóstolo
colocado como padrão o número sete: “Não te digo sete vezes, mas até
setenta vezes sete”, ou seja, remissão sem limites. Ele mesmo daria o
exemplo quando, pregado na cruz, rogou o indulto total para seus cruéis e
gratuitos inimigos: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”.
“Pai, perdoai-lhes”! Eis aí o lema glorioso do verdadeiro cristão,
distintivo supremo do epígono do Mestre, admirável penhor de eterna
salvação, atitude glorificada numa das bem-aventuranças:
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt
5,7). Oitenta anos antes daquela cena lá no Calvário expirava em Roma o
famoso Sila. Ele ditara o seu epitáfio que era bem o símbolo do mundo
antigo: “Nenhum amigo jamais me serviu e nenhum inimigo jamais me
ofendeu sem que eu tivesse deixado de me vingar”. Imperava o ódio:
“Dente por dente, olho por olho”. Eram cabeças de desafetos a enfeitarem
os acampamentos. Reinavam as retaliações mais desumanas. Jesus instalou
uma nova ordem nesta terra. Lançou a mensagem de clemência, de
compreensão, de perdão, de benignidade, de bondade, de tolerância.
Iluminou ele os caminhos dos homens, esmaltando todos os pensamentos,
suavizando todas as atitudes; plasmou heróis formidáveis como a do
proto-mártir Santo Estevão a repetir quase suas mesmas palavras ao ser
apedrejado e morto por seus perseguidores: “Senhor, não lhes imputes
este pecado” (Atos 7,60). Estevão, o primeiro a imitar Jesus e, depois
dele, uma série de santos a reproduzirem com ênfase a postura do Mestre
divino, espalhando no mundo aquela mútua bondade que desculpa sempre e
que distingue e honra o verdadeiro cristão. A doutrina e o exemplo de
Cristo retroaram até na eternidade e repercutiram nos sábios do passado,
na mente de todos os chefes e líderes dos povos antigos. De fato, quem
lhes dera ter recebido as lições do Meigo Rabi da Galiléia para poderem
pregar a seus seguidores sabedoria tamanha, sublimando-a com exemplos
que patenteiam a grandeza de uma alma nobre, repleta de ternura. O
ensinamento e a conduta de Jesus rasgaram para a humanidade perspectivas
de serenidade, harmonia e tranqüilidade. O mundo seria muito diferente
se tudo sempre fosse olhado com o olhar de Jesus, com a transcendente
visão que o divino amor inspira, porque é sempre a bondade e nunca o
ódio, sempre o perdão e nunca o rancor que tem razão no céu e na terra.
Na vida humana multiplicam-se as ocasiões de clemência a desanuviar as
revoltas ante as atitudes do próximo. O perdão deve ser um estilo de
vida do seguidor de Cristo o qual promove por toda parte a cultura da
compreensão e da paz no lar, nas escolas, no lazer, no ambiente de
trabalho, seja onde estiver um verdadeiro cristão. Nota-se, porém, nos
dias de hoje uma regressão do perdão na deterioração das relações
pessoais, na incapacidade crescente de restaurar rupturas, na maneira
brusca que impera nas relações cotidianas. Uma sociedade repleta de
conflitos faz estampar nos meios de comunicação social os gestos mais
absurdos de desforra, muitos consumados com assassinatos desumanos. A
violência que surge das polêmicas mais insignificantes se extravasa
tantas vezes não apenas em palavras de baixo calão, em ameaças, mas,
até, realmente em agressões físicas indesculpáveis. São as fronteiras do
perdão ultrapassadas desumanamente num subjetivismo indigno de
batizados. Cumpre que se restaure o império da fraternidade através da
anistia cordial, pois esta é capaz de tocar o coração do ofensor que
acaba por perceber a mesquinhez de seu ultraje. Isto significa fazer o
culpado, entrar num processo de transformação e purificação interiores.
Bento XVI mostrou como “a cidade dos homens deve ser edificada não
apenas nas relações de direitos e deveres, mas ainda nas relações de
gratuidade, de misericórdia, de comunhão. A caridade, doutrinou o Papa,
manifesta sempre o amor de Deus nas relações humanas também”. É que o
cristão tem que ser um semeador de paz e de serenidade. A caridade age
em círculos concêntricos de dentro de um coração compreensivo para fora,
ao contrário do que se passa no círculo ofensa-vingança que pode ser
representado por uma espiral que atira tudo contra seu centro destruidor
para tudo arrasar com sua passagem. O perdão deve ser uma postura que
flui de um espírito inebriado pela caridade, fruto da coerência cristã.
Precisa se tornar um hábito e não pode aparecer em alguns momentos
apenas. Na escola de Jesus se aprende a perdoar, porque nela se aprende a
amar!
*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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